Hospital Oncológico

Medo em dobro: famílias contam como enfrentam o câncer infantil no período da pandemia

“A gente tinha medo até do vento que passava”, relata mãe de paciente do Hospital Oncológico Infantil; crianças com câncer são extremamente vulneráveis à doença que já matou quase 280 mil brasileiros

Se a pandemia da Covid-19 colocou a população mundial em estado de alerta, a situação é ainda mais séria para as famílias de crianças que enfrentam a dura batalha contra o câncer.

O público oncológico infantojuvenil é altamente vulnerável, principalmente pela questão da imunossupressão (possuem uma defesa imunológica mais baixa) o que, no atual contexto pandêmico, potencializa o medo no ambiente familiar, provocando a sensação do perigo iminente da morte.

Jeferson Denys Soares Bezerra vive essa sensação de perto. Desde que soube que o mundo passaria a enfrentar uma pandemia provocada pelo vírus, que à época ainda era pouco conhecido, o medo foi inevitável, ficou em alerta e só pensava no cuidado necessário com o enteado Maik Júnior Diniz Dantas, de 13 anos, em tratamento no Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, em Belém (PA).

A unidade, que pertence ao governo do Estado e é gerenciada pela Pró-Saúde, é referência no tratamento de crianças e adolescentes com câncer e atende cerca de mil pacientes por mês, oriundos de municípios do Pará e estados vizinhos como o Amapá.

O pai revela ter ficado muito assustado com tudo que vem acontecendo, mesmo tendo tomado todos os cuidados. “Eu e minha esposa fomos infectados pelo novo coronavírus. Eu tinha vida de atleta e mesmo tomando todos os cuidados com a saúde, fui contaminado. O medo bateu muito forte e eu só pensava nos meus filhos”, relata.

“Tive que isolar o Maik e o meu outro filho de apenas dois anos de idade em um outro quarto de casa. O medo foi demais, tanto que cheguei a dar uma garrafa de álcool ao Maik, para que ele ficasse passando pelo corpo”, acrescenta o pai.

“Até hoje esse medo nos ronda e redobramos os cuidados, principalmente após os momentos que ele faz as sessões de quimioterapia, quando a imunidade fica mais baixa. Eu e a minha esposa já passamos várias madrugadas chorando, angustiados, pedindo a Deus que isso se resolva logo, porque não é fácil suportar esse medo que nos ronda”, completa Jeferson.

Planejamento para combater o vírus

Para enfrentar a pandemia, o Hospital Oncológico Infantil se preparou desde o começo, adaptando suas estruturas física, ambulatorial e setorial, além do plano terapêutico em oncologia. Entre as mudanças vale destacar a separação de um andar exclusivo do prédio para casos de internação por Covid-19 e a criação de uma cartilha de orientações para o isolamento domiciliar dos pacientes e seus acompanhantes.

Com foco na higienização, essencial para conter a disseminação do vírus, o Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) da instituição implantou também o Time Guardiões dos Maninhos, iniciativa que empodera a equipe assistencial para os cuidados rigorosos com a limpeza das mãos e, principalmente, alavanca a prática e o fortalecimento dos cuidados desempenhados, proporcionando o atendimento seguro e a diminuição de riscos.

A unidade realizou ainda campanhas de orientação sobre a doença, ressaltando a importância do uso de máscaras e do isolamento social, medidas essenciais para conter a disseminação do vírus e proteger os mais vulneráveis.

Os efeitos do medo

Outra experiência em lidar com o medo foi vivida por Révelly Maitê de Sousa, mãe da pequena Rebeca Vitória de Souza, de apenas cinco anos de idade, também em tratamento contra o câncer.

Para a mãe, lidar com esse sentimento tem sido uma tarefa difícil. “Logo que a pandemia começou, nós duas quase entramos em depressão. A gente tinha medo até do vento que passava, não saíamos de casa para quase nada. Quando eu ia ao hospital para ela fazer as sessões de quimioterapia, entrava e saia com ela no colo, não deixava ela tocar em nada”, relembra.

Embora tenha pouca idade, a menina, com ajuda da mãe, já entende a situação pela qual o mundo passa e confessa que também tem receio. “Tenho medo de pegar o coronavírus e ficar doente. Sinto falta de ir para a escola e de brincar com os meus amigos e de fazer um monte de coisa”, diz Rebeca.

Apoio multiprofissional 

“É natural que a iminência de contágio por uma doença que ainda é pouco compreendida faça com que as pessoas se sintam amedrontadas, causando insegurança nas famílias. Quando envolve crianças que fazem tratamento oncológico, essa preocupação realmente toma uma proporção impossível de mensurar”, pontua Patrícia Carvalho, médica intensivista da Pró-Saúde no Hospital Oncológico Infantil.

A profissional acrescenta ainda que “essa pressão por causa do medo da morte oncológica ou do medo da morte pela pandemia tem trazido complicações à saúde mental dos pacientes. Isso tem sido uma queixa frequente nos nossos consultórios de pediatria do hospital, sobretudo vinda dos pacientes adolescentes”, ressalta.

“Por causa desse medo os familiares ficam com a sensação da morte assombrando. Nesse caso, a equipe multiprofissional busca entender todo o contexto dos pacientes e dos familiares, fazendo o acompanhamento psicológico intensivo”, explica Maíra Amaral Souza, psicóloga clínica do Oncológico Infantil.

Ainda de acordo com a psicóloga, cada criança ou familiar reage de maneira diferente diante de todo esse contexto de medo gerado pela pandemia. “Alguns ficam mais ansiosos, outros mais angustiados, irritados ou até agressivos. Pensar sobre o medo da própria morte ou a morte de um filho pode ser muito difícil e insuportável. Neste momento, estamos diante dela, por isso, é impossível não pensar sobre”, pondera Maíra.

Para dar suporte aos familiares de pacientes que estão no leito, o hospital oferece atendimento para cada caso específico, como explica a terapeuta ocupacional Cristiana Fernandes, que integra a equipe multiprofissional a unidade. “Fazemos uma avaliação pontual e desenvolvemos atividades cognitivas, perceptivas e de socialização, permitindo a interação com os familiares e favorecendo a autonomia, independência e a melhora da qualidade de vida do paciente”, explica Cristiana.

Para os pacientes que não estão internados, mas que recebem o atendimento ambulatorial no hospital, a terapeuta recomenda algumas atividades para amenizar a tensão da pandemia em casa. “As famílias precisam fazer coisas que gostam, atividades que tenham afinidades ou aptidão, como por exemplo, a pintura. Elas contribuem para a melhoria do cotidiano familiar, diminuindo o sentimento de medo diante da rotina incerta e dura da pandemia”, conclui.

 

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