Atendimento

Profissionais que atuam no Oncológico Infantil recebem apoio para lidar com o luto

Hospital busca combater o sentimento de impotência e até mesmo a depressão entre os colaboradores que perderam pacientes para o câncer

Na capital paraense, em Belém, o Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo é a principal referência no combate ao câncer entre crianças e adolescentes entre zero e 19 anos. Por mês, cerca de mil pacientes são atendidos, oriundos de municípios do Pará e estados vizinhos como o Amapá. Desenvolvida pelo Oncológico Infantil, uma iniciativa voltada à reflexão do luto busca dar apoio aos profissionais que se encontram em situação de vulnerabilidade após a perda de pacientes, parentes ou amigos.

Ao todo, a unidade conta com cerca de 600 profissionais em diferentes setores do hospital. A luta de uma criança contra o câncer vai além do paciente e o profissional de saúde, envolvendo também a família, criação de vínculos fraternos, busca por esperança, expectativa de recuperação e, em alguns casos, frustrações e perdas.

O psicólogo Reno Mendez reafirma que “o luto escancara ainda mais o quanto somos apegados no sentido de termos um vínculo forte estabelecido que foi rompido”, disse. Reno acrescenta que o luto possibilita algum aspecto positivo para quem passa por essa experiência. “Com o luto aprendemos uma maneira ainda não descoberta ou até adormecida sobre nossos vínculos. Sobre a importância das nossas relações. Aprendemos ou podemos despertar para uma humanização até então não valorizada ou colocada como um ângulo a se olhar para a vida”, observou.

Por meio de seu Escritório de Experiência do Paciente, o hospital realiza, em parceria com os setores de Recursos Humanos e Cuidados Paliativos, o Projeto Colmeia, que tem o apoio do Grupo Terapêutico de Luto (GTL) do hospital. As atividades do GTL ocorrem mensalmente e atendem aos profissionais da instituição. Para os encontros a coordenação do projeto mobiliza o grupo por mensagem informando sobre a realização do evento, seguindo rigorosamente todos os protocolos recomendados para a prevenção da Covid-19, sendo indispensável o uso de máscara.

“A perda de alguém que convivemos ou de um ente querido envolve muitos sentimentos e desafios, por isso contar com um grupo terapêutico de luto é importante. Uma rede de amparo contribui muito para compreendermos melhor o processo de despedida e troca de experiências”, afirma Jaasai Ribeiro, analista de Humanização responsável pelo Escritório de Experiência do Paciente.

Segundo Reno Mendez, psicólogo que atua como profissional liberal, em Belém, e há quatro anos trabalha com suporte ao luto, encarar a perda de alguém importante não é uma tarefa fácil. O luto é uma realidade que ainda precisa de ser compreendida por muitas pessoas. “Lidar com o tema do luto não envolve somente uma resposta à perda, mas um conjunto de vivências relacionadas com aquilo que se foi perdido, ou seja, perde-se tudo, mas não se perde o afeto”.

Experiências

Recentemente, a técnica de Enfermagem do Núcleo Interno de Regulação do hospital, Maria Cristina Xavier Nunes, de 52 anos, passou por uma situação bastante delicada ao enfrentar 24 dias de internação de sua mãe. Um exame de ressonância identificou um problema grave de saúde e, no intervalo de uma semana, ela faleceu.

“Foi um momento muito difícil, o pior que já passei. Uma perda repentina, com uma dor muito violenta para mim e para toda a minha família, ainda não superamos. Retornar ao trabalho foi bem difícil”, relatou Maria Cristina, muito comovida. Ela lembra também da perda de uma adolescente, que recebia tratamento no hospital. Cristina criou um vínculo com a jovem, cujo sonho era poder conhecer o mar. Ao saber sobre a morte da adolescente, a enfermeira chorou por dias.

“Esse foi o momento em que resolvi buscar ajuda psicológica e isso me ajudou a aprender sobre as perdas e saber lidar com algumas situações mais delicadas, porque é importante saber cuidar da saúde emocional”, completou.

Já a técnica de enfermagem Leila Coelho, da Unidade de Internação, também passou pela experiência de ter perdido o pai em decorrência de problemas respiratórios. Ela relata que até hoje não superou a perda, mas que vem lutando para aprender a conviver com a ausência do seu ente querido. Relembra que passou por um momento de negação da perda do pai e que, no decorrer do tempo, reconheceu que precisava aceitar a realidade.

Leila comenta que participar do projeto trouxe ajuda. “A gente consegue expressar e admitir que precisamos de apoio. As pessoas buscam solucionar os seus conflitos. Um outro aspecto interessante é a experiência que cada um tem, isso pode ser a solução, ajuda ou consola os outros colegas que passaram ou que talvez venham a passar”, disse a disse a técnica de Enfermagem.

Grupo Terapêutico

O Oncológico Infantil é uma unidade de saúde pública, pertencente ao Governo do Pará. O hospital é gerenciado pela entidade filantrópica Pró-Saúde, por meio de contrato de gestão com a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa). Desde 2018, quando foi criado o Grupo Terapêutico (GT), o projeto vem mantendo o cuidado e dedicação ao suporte psicológico dos profissionais de saúde.

A assistente de Humanização, Jaasai Ribeiro, aponta alguns resultados obtidos com o desenvolvimento do projeto. “Houve significativa melhora nas relações sociais, nos níveis de conhecimento sobre questões discutidas no grupo, na capacidade de lidar com situações inerentes ao transtorno sofrido, na confiança, além de proporcionar o alívio emocional”, relatou.

Inicialmente, o GT foi elaborado visando atender aos profissionais da assistência em saúde que atuam no hospital, especialmente os que estão na linha de frente de atendimento, como, por exemplo, os maqueiros, médicos intensivistas, psicólogos, profissionais dos serviços gerais e enfermeiros.

O psicólogo Thiago Pinheiro, especialista em Saúde Pública e mestre em Cuidado em Saúde, explica que antes desta proposta terapêutica já existiam iniciativas com o objetivo de acolher os trabalhadores da saúde que lidam com a perda em sua rotina laboral, tendo em vista o contexto pandêmico.

Considerando todos os imprevistos causados pela pandemia, o GT desenvolve ações mensalmente, os encontros são realizados na sala de aula da Classe Escolar do hospital. Os atendimentos do grupo são em formato coletivo e durante a terapia não há obrigatoriedade preestabelecida para o uso da fala.

Thiago acrescenta que a cada encontro são dadas orientações iniciais acerca da importância do momento e do respeito à fala dos participantes. Segundo o psicólogo, “é importante ressaltar que ninguém é obrigado a falar, haja vista que ouvir também é participar”.

O especialista chama a atenção para a questão do incentivo ao autocuidado, a autopercepção e a autorresponsabilidade. “Dar passagem aos nossos afetos, ou seja, quando damos voz sobre como somos afetados pela perda, pelo luto, dando voz às nossas inquietudes ou, até mesmo, ouvindo alguém expressando uma angústia semelhante à nossa e nos mostrando possibilidades resolutivas, sem dúvida, produz muitos benefícios à saúde mental, individual e coletiva”, ressalta.

Thiago destaca que a iniciativa resulta em benefícios para o ambiente hospitalar, principalmente nos tempos atuais. “Hoje, com a pandemia, ficou evidente a importância da oferta de cuidado aos trabalhadores da saúde, rotineiramente expostos e em condições de alto estresse e desgaste mental”, conclui.

O Grupo Terapêutico desenvolvido pelo Hospital Oncológico Infantil é um dispositivo que busca prevenir e reduzir danos provenientes da atividade em saúde e ofertar momento de acolhimento e qualidade vida.

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