Há cerca de dois anos, L. S. L., de 35 anos, sofreu um trauma que há deixou tetraplégica. Ela foi vítima de violência contra a mulher, por isso, o uso de siglas para não identifica-la. Desde então, a paciente está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Público Estadual Galileu (HPEG), que é gerido pela Pró-Saúde Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar, sob contrato de gestão com a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), em Belém (PA). Durante todo esse período, ela sentia falta de muitas coisas da sua vida, uma delas era a leitura. “Ela dizia que queria poder ler sozinha, que perdia a paciência quando outras pessoas liam para ela”, conta a Terapeuta Ocupacional do HPEG, Lorena Rodrigues, que procurou a direção da unidade e a equipe da Manutenção, em busca de ideias para criar um suporte de livros adequado para a paciente.
O recurso foi criado dentro da própria unidade, a partir de materiais reaproveitados, como a base de inox de um ventilador que não funcionava mais. O suporte é flexível, higienizável, e permite que o livro fique posicionado à frente do rosto da paciente, sem necessidade de que outra pessoa segure o livro para ela.
De acordo com o auxiliar de manutenção do HPEG, Givaldo Gonçalves, o material foi modificado várias vezes até que ficasse no tamanho ideal para ela, e era o tipo de recurso que não seria possível encontrar no mercado para comprar. “No total, levou uma semana para produzir o material no jeitinho para ela. Tudo que a gente faz aqui é em busca de fazer o melhor para o paciente, eles são a verdadeira história”, contou.
Primeiro livro
A primeira leitura que L. S. L. escolheu para fazer sozinha, com o auxílio do novo suporte, foi o livro “O Malabarista”, de Alessandro Kruschewsky Pithon. O motivo de ter escolhido este livro, ela mesma explica: “Eu gosto muito de livros de história verídica, e esse é, então estou gostando muito”, disse.
A Terapeuta Ocupacional, Lorena Rodrigues, revela também que a paciente já pede vários livros de presente para os colaboradores da unidade. “Todo mundo pergunta até quando ela vai ficar na unidade, que é para dar um livro para ela de natal, e ela ficar super feliz”, contou.
“Sempre gostei muito de ler, era uma coisa que eu sentia falta, e comecei a pedir, que eu queria poder ler sozinha. Eu não gostava quando os outros liam para mim, achava que a leitura não ficava interessante”, explicou L. S. L. Sobre o suporte para livros criado sob medida para ela, afirma sorrindo: “Foi muito importante para mim, porque agora eu consigo ler sozinha. Eu achei maravilhoso o que fizeram por mim”.
Humanização
A psicóloga do Hospital Galileu, Rebecca Moreira, explica que a leitura é um dos elementos utilizados com pacientes de longa permanência no hospital, pois tira a pessoa do foco do sofrimento da hospitalização, estimula a imaginação, além de torná-la cognitivamente mais ativa. Porém, ressalta que não teria o mesmo significado, senão atendesse uma necessidade específica daquela paciente. “Humanizar esse cuidado é ver a necessidade de cada um. Primeiro a gente precisa conversar com esse paciente e ver o que ele precisa”, afirmou.
“No caso dessa paciente, a leitura estimula a autonomia dela, porque ela sempre quis ler, mas não queria que ninguém lesse para ela. Então, a partir do momento que a gente oferece um recurso que possibilita que ela faça isso sozinha, é muito importante”, destacou.
Segundo a psicóloga, dar autonomia a um paciente tetraplégico estimula a melhora da autoimagem, da autoconfiança, ganhando um significado muito maior na vida do paciente. “Não é simplesmente um livro que eu ofereci, é o que isso significa na vida dela hoje. Isso é o atendimento humanizado”, declarou.
Tecnologia
Outros recursos utilizados no hospital para estimular pacientes de longa permanência são passeios ao ar livre na parte externa da unidade, pintura e escrita. A paciente L. S. L. já faz uso de todos esses recursos, e mesmo sem conseguir mover braços e pernas, recomeça aos poucos a recuperar sua autonomia, chegando a pintar e escrever a primeiras palavras com o apoio de um pincel na boca.
A visita virtual, um projeto implantado no Hospital Galileu que busca “aproximar” parentes que estão distantes, também é utilizado pela paciente, que com o suporte de um tablet fornecido pela unidade, consegue se conectar com familiares que moram em outro país e conversar. “Isso tudo faz muita diferença para o paciente, só o fato dele sair da cama, conversar com os familiares, já é muito importante”, concluiu a psicóloga, Rebecca Moreira.